terça-feira, 20 de agosto de 2013

Não é apenas pelo dinheiro: Kickstarter para o Haiku

Recentemente começou uma longa discussão no fórum da página oficial do Haiku sobre lançar (ou não) uma campanha no Kickstarter para angariar fundos para o projeto. Entre as argumentações, a necessidade de acelerar o desenvolvimento, a difusão, a criação de uma "HaikuBox", entre outras sugestões. Particularmente, concentrei minha atenção nas colocações do Ryan Leavengood, tesoureiro da Haiku, Inc. Ele expressou que já havia pensado no assunto há algum tempo, mas precisava amadurecer algumas questões, como qual projeto desenvolver para atrair investidores que ainda não usam/conhecem o Haiku, qual o montante a angariar, como divulgar a campanha para o público potencial, etc.
A discussão também trouxe à tona algumas informações que geralmente são desconhecidas inclusive da comunidade não envolvida em desenvolvimento: os valores envolvidos nos contratos de dedicação exclusiva ao Haiku, pagos pela Haiku, Inc.; a motivação (ou não) dos desenvolvedores para assumir contratos dessa natureza; o porquê de não contratar desenvolvedores externos para estas tarefas, etc.
Resumo da ópera: a questão não é apenas dinheiro. A Haiku, Inc. possui recursos em caixa para sustentar mais dois contratos de exclusividade até o fim do ano, já agendados e previstos. As arrecadações feitas através do Bounty são suficientes para as necessidades atuais do projeto, no ritmo em que se encontra. Naturalmente que com mais dinheiro e desenvolvedores dispostos a dedicar mais tempo, as coisas acelerariam muito mais.
A respeito de uma possível "HaikuBox", muitas sugestões foram levantadas, especialmente mini-pcs com processadores Intel Atom ou ARM que servissem como servidores multimídia. Uma das sugestões que mais agradou foi o encapsulamento de uma placa Raspberry Pi numa case com a logo do Haiku. O grande problema em desenvolver um hardware dessa natureza está no desenvolvimento recente e, portanto, incipiente da versão do Haiku para a plataforma ARM. O Alexander von Gluck está encabeçando o subprojeto, aparentemente sozinho, e vem realizando progressos lentos, principalmente por conta da proximidade da versão beta para a plataforma Intel x86.
O fato é que ser desenvolvedor/colaborador do Haiku é uma questão mais de paixão pelo SO: no último contrato firmado, Ingo e Oliver acordaram um valor de EUR 2.000 por 160 horas de trabalho, o que dá EUR 12,50 por hora trabalhada. Num ambiente de recessão e altos impostos que vigora hoje na Europa, é um valor baixo, segundo Leavengood. Para comparar, ele mesmo recebe seis vezes esse valor por hora em contratos de trabalho nos Estados Unidos, desenvolvendo em Ruby on Rails.
Campanhas para o Kickstarter, a exemplo do que aconteceu com o Ubuntu Edge, precisam ser bem dimensionadas, factíveis, oferecer um produto que atenda ou supere as expectativas dos doadores e sejam entregues no prazo acordado. Com uma equipe pequena de desenvolvedores, fica difícil defender prazos mesmo que se tenha muito dinheiro em mãos. São bastante comuns os casos de projetos que conseguiram os valores almejados mas que não concluíram o produto, seja por mal dimensionamento dos custos, seja por falta de capacidade da equipe de desenvolvedores em entregar o produto no prazo. Deixar os doares na mão é um péssimo negócio para projetos com comunidade pequena, como é o caso do Haiku.
Esta semana conversei por e-mail com o Stephan Aßmus (aka Stippi), um dos principais desenvolvedores do Haiku e que possui uma empresa, a DramaQueen Gmbh, que desenvolve um aplicativo gerador e gerenciador de roteiros para cinema, sobre o porque do DramaQueen não possuir um porte para o Haiku. Para exemplificar, há cerca de um mês foi lançada uma versão do aplicativo para Linux. Segundo Stippi, o DramaQueen é desenvolvido utilizando o SWT do Eclipse, uma API Java que não possui suporte no Haiku. Apesar do porte feito no ano passado do OpenJDK, o suporte a Java no Haiku ainda não é completo e possui alguns problemas que o inviabilizam nas recentes nightly builds. É possível desenvolver para Java e rodar alguns aplicativos básicos usando o pacote developmentjava do installoptionalpackage, mas é só. Aplicativos mais robustos, como o próprio DramaQueen e o Storybook (voltado para escritores de livros), dependem de um suporte maior do Java para rodar redondo no Haiku.
Voltando à discussão inicial, Leavengood também tocou num assunto importante: o visual da interface gráfica do Haiku. Ele compartilha da mesma opinião de alguns usuários e simpatizantes: o visual retrô do Haiku afasta os novatos. Uma facelift do Rastreador (que, em última instância, é o "gerenciador de janelas" do sistema) seria mais do que bem vinda, acompanhada de um suporte nativo a composite - e junto com ele, transparências.
Eu acredito no grande potencial do Haiku em ser um poderoso sistema operacional para estação de trabalho gráfica e de multimídia, assim como seu concorrente histórico, o MacOS. Após o lançamento da versão R1 final, tudo indica que o desenvolvimento se voltará para a plataforma Intel x86_64 e para o ARM, abraçando os atuais padrões de mercado. Ou seja, a modernização do sistema depende de atingir, primeiro, o grande objetivo de Michael Phipps ao criar o OpenBeOS, que era ter total compatibilidade binária com o BeOS R5. A tarefa está quase concluída, falta pouco.

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